É A NATO UMA ORGANIZAÇÃO QUE ENCARNA OS PRINCÍPIOS DE SEGURANÇA COLECTIVA?

O conceito de “segurança colectiva” transmitido por homens como Michael Joseph Savage, Martin Wight, Immanuel Kant, e Woodrow Wilson tem sido usado como um meio de dissuadir qualquer Estado-Membro de actuar de forma susceptível de ameaçar a paz, evitando qualquer conflito.

A segurança colectiva pode ser entendida como um dispositivo de segurança no qual todos os estados cooperaram para garantir a segurança, através de todas as acções contra todos que sejam identificados como uma ameaça. Esta é alcançada através da criação de uma organização de cooperação internacional, sob a protecção do direito internacional dando origem a uma forma de governação colectiva internacional, embora de eficácia e alcance limitado. A organização de segurança colectiva torna-se então um espaço para a diplomacia, o equilíbrio de poder e exercício do poder brando, também conhecido como soft power. O uso do poder duro, ou hard power, por parte dos Estados, que não seja legitimado pela organização de segurança colectiva, é considerado repreensível, ilegítima e é necessária uma remediação de algum tipo. A organização de segurança colectiva, não só é um meio de alcançar uma segurança mais barata como pode ser também o único meio possível de segurança para pequenas nações contra a nações de poder militar mais elevado.

A NATO foi fundada nas bases de um tratado entre Estados-membros, o que significa que os seus membros comprometem-se a defenderem-se mutuamente no caso de uma eventual agressão militar contra qualquer um deles. Ou seja, um ataque armado contra uma ou várias das partes constituintes da aliança, seja na Europa ou na América do Norte, será considerado um ataque à aliança como um todo. Além disso, o Tratado requer a obrigação de que nenhum dos seus membros venha a participar em qualquer outro compromisso internacional que possa contradizer suas disposições. A segurança da Europa Ocidental estava, portanto, a partir desse momento associada aos E.U.A.

Entre 1947 e 1952, surgiu o Plano Marshall, financiado pelos Estados Unidos que vinha proporcionar a estabilização das economias da Europa Ocidental, que, até então, recuperavam ainda da devastação causada pela Segunda Guerra Mundial. Com o surgimento da NATO em 1949 surge um comprometimento ao princípio da defesa colectiva que viria complementar o Plano Marshall, ajudando a manter o ambiente seguro para o desenvolvimento da democracia e o crescimento económico.

Quando o muro de Berlim cai e, no ano seguinte, a URSS colapsa, as potências ainda em jogo deparam-se com uma série de questões sobre a nova ordem que viria a existir no mundo. O fim da Guerra Fria e da divisão bipolar alterou a estabilidade imposta pelo sistema bipolar e seria de esperar que se regressasse à multipolaridade e às alianças efémeras. Para esta previsão contribuíram, essencialmente, três factores: a recuperação do estatuto de grandes potências regionais pela Alemanha, que se encontrava agora unificada, pela França e Grã-Bretanha, as estratégias de consolidação da integração regional num quadro de crescente autonomia perante os E.U.A. e, acima de tudo, o facto da necessidade fulcral da aliança transatlântica ter deixado de existir, já que a URSS se havia extinguido.

Surge, então, uma importante questão: como se explica a sobrevivência da NATO? Em primeiro lugar, os objectivos da coligação transatlântica excediam a lógica do equilíbrio bipolar; por um lado, os E.U.A. tinham a percepção da necessidade de conter as rivalidades entre as principais potências europeias e, por outro, a Europa tinha o propósito de enquadrar e orientar os E.U.A. como grande potência emergente. Uma segunda razão, mais teórica, valoriza as dimensões ideológicas e institucionais da aliança transatlântica, concedendo à NATO um papel relevante para consolidar uma comunidade de segurança ocidental. Em terceiro lugar, há uma razão mais conjuntural, que resultou das circunstâncias da unificação da Alemanha, assente no pressuposto da continuidade do seu estatuto como membro pleno da NATO, cujas fronteiras se tinham, assim, alargado; isto significa que a NATO se tornou parte integrante da fundação da Europa do pós-Guerra Fria. Além disto, a faixa entre a Alemanha e a Rússia podia tornar-se uma área de conflitos e, na verdade, não existia nenhuma alternativa consistente para a segurança europeia fora da aliança atlântica.

Para além destes factores apresentados, para entendermos a sobrevivência da NATO temos que olhar para a reunião de Bruxelas do Conselho do Atlântico Norte, em Dezembro de 1967. Foi nesta reunião que surgiu o relatório feito por Pierre Harmel, o ministro dos negócios estrangeiros da Bélgica, que tinha iniciado o “exercício Harmel”, em 1966, “para estudar as futuras tarefas que a Aliança enfrenta e os seus procedimentos para as desempenhar, de modo a fortalecer a Aliança enquanto factor de paz duradoura”[1]. Este relatório ficou na história da NATO como a voz das nações mais pequenas apelando que a dissuasão fosse, juntamente com a defesa, uma das funções fulcrais da Aliança no futuro. A razão pela qual esta ideia de dissuasão se iria tornar tão importante na história da NATO e a razão pela qual as vozes das pequenas nações acabaram por ser ouvidas (As razões pelas quais esta ideia de dissuasão se iria tornar tão importante na história da NATO e as vozes das pequenas nações acabaram por ser ouvidas), mais claramente em meados dos anos sessenta, foram consequência da mudança da cena geopolítica, por exemplo a situação em torno do Canal de Suez. Com o risco constante de crises, em especial sobre a questão alemã, o relatório apontava para a necessidade de uma força militar adequada juntamente com uma cooperação política para dissuadir a agressão. Apesar disto, a génese deste relatório foi a capacidade de reconhecer que os Aliados precisavam de trabalhar no sentido de uma relação mais estável, na qual as questões políticas, em especial a situação da divisão alemã, pudesse ser resolvida. Um dos principais promotores deste relatório foi a sensação de que a Guerra Fria tinha entrado numa nova fase com o fim da crise dos mísseis de Cuba, em 1962, e da crise de Berlim, em 1964. A referência do Relatório Harmel para a dissuasão preocupava os Estados Unidos, em especial o Comandante Supremo Aliado da Europa, o General Lyman L. Lemnitzer, que via a possibilidade dos Aliados aceitarem, em 1968, a invasão da Checoslováquia por parte do Pacto de Varsóvia e tinha reservas quanto à Ostpolitik[2] do Chanceler da Alemanha Ocidental, Willy Brandt.

Nesse sentido, tendo em vista que a sua estrutura não se baseava somente em mecanismos de contenção da ameaça soviética, foi possível introduzir alterações no modus operandi de modo a que a Aliança pudesse permanecer como um organismo operante num cenário internacional adverso, assumindo agora novas tarefas tais como operações de gestão de crise, de manutenção e preservação da paz, de combate ao terrorismo, à proliferação de armas de destruição em massa, assim como a preocupação com a adesão de novos Estados-membros ao Tratado, previsto no Art.10º do Tratado de Washington.

A NATO tem, assim, numa era pós-Guerra Fria, tentado preservar o seu papel como defensora dos seus interesses de segurança colectiva, de contribuinte essencial para a paz, entre outros. Para isso, tem procurado ter um papel mais abrangente na segurança, tendo obtido sucesso devido aos seus processos de tomada de decisões, à sua parceria com organizações e países e à política da “open door”, que permite maior parceria com países que desejaram ingressar na NATO.

Em 1999 deu-se a revisão do conceito estratégico da NATO, numa perspectiva de se adaptar às circunstâncias da segurança colectiva num mundo completamente diferente da Guerra Fria e do pós-Guerra Fria; tinha em conta os Estados que falharam na sua democratização, as ameaças de armas de destruição em massa e conflitos étnicos e religiosos. Mas, logo em 2001 dão-se os atentados de 11 de Setembro e a visão do mundo muda radicalmente e surgem novas ameaças que precisavam de uma resposta institucional.

A alteração drástica do ambiente de segurança, que veio como consequência do 11 de Setembro, o surgimento de novas ameaças e a manutenção de outras já existentes levaram o grupo de peritos a recomendar ainda que a NATO se deve adaptar ao novo paradigma actual, desenvolvendo os mecanismos adequados para lidar com ameaças de vários carismas, deste a intensificação da proliferação nuclear e outras armas de destruição maciça, à vulnerabilidade dos sistemas de informação através de ataques cibernéticos, à segurança ambiental, mais especificamente no que diz respeito à degradação ambiental, à segurança energética, no que diz respeito à competição por recursos energéticos, e ainda por fim, à intensificação de grupos terroristas.

O novo conceito estratégico reforça o conceito estruturante da defesa colectiva e assume que a aliança não possui os meios para resolver todos os conflitos tendo que recorrer a outros países e organizações, numa clara referência aos mecanismos de segurança cooperativa. De facto, o sistema internacional sofreu alterações, os centros de poder multiplicaram-se e, como consequência, a NATO não tem outro caminho senão recorrer a eles num sistema de parcerias. Parece assim evidente que o elemento de fortalecimento de parcerias é central nesta nova década e aparece como uma das principais linhas de acção da Aliança. Esta aposta vem marcar ainda mais a identificação, no novo conceito estratégico, de que as ameaças não convencionais são as mais prováveis e que um modelo de defesa colectiva assente em meios políticos e militares não serão suficientes para combater o espectro completo, principalmente, porque as ameaças não-convencionais são, numa grande maioria dos casos, transnacionais, sendo que estas atravessam a fronteira dos estados, e actuam no interior do seu território.

Assim, o novo conceito estratégico remete para as parcerias, numa perspectiva de segurança cooperativa, como sendo a forma de colmatar estas dificuldades. A segurança cooperativa, que o novo conceito estratégico faz referência, tenta assim transformar o comportamento dos estados de uma postura competitiva para uma postura cooperativa, promovendo a coordenação entre a NATO e diversas instituições e entre os vários aspectos da segurança, tentando integrar medidas militares e não militares.

O conceito de segurança colectiva da NATO restringe o combate aos meios políticos e militares excluindo um outro conjunto importante de meios de cada Estado-membro. A referência no novo conceito estratégico da NATO da adopção da defesa colectiva como modelo estruturante de acção da mesma, combinada com acções pontuais de segurança cooperativa, simplesmente não chega, na minha opinião, para fazer frente ao leque de ameaças transnacionais. Com a clara indivisibilidade de segurança nacional e segurança internacional é necessário, a meu ver, um modelo de interligação de defesa colectiva e defesa cooperativa de forma a aumentar a troca de informações, a aumentar as probabilidades de sucesso de abordagens não militares, a facilitar a integração dos Estados-Membros e até mesmo a aumentar a atracção da NATO em países democráticos que não façam parte da região do Atlântico Norte, e traria ainda outras dimensões à NATO além da dimensão política e militar, como uma dimensão económica, social, entre outras. Tal, obviamente, não acontece essencialmente por esta ser uma ideia muito complexa, possivelmente por competir com o projecto europeu, nomeadamente a União Europeia, à qual falta uma dimensão militar e, ainda, devido a diversos problemas de soberania que surgiriam com isto. Apesar de tudo, numa visão pessoal, penso que o novo conceito estratégico da NATO é apenas um modelo de transição para, possivelmente em 2020, o aparecimento de um modelo mais integrador.

 

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[1] “The Future Tasks of the Alliance” (13 e 14 de Dezembro de 1967). Acedido a 14 de Novembro, 2010, de http://www.nato.int/docu/basictxt/b671213a.htm.

[2] A Ostpolitik era um sub-produto da decisão alemã nas negociações Harmel de minimizar a questão da reunificação a favor da melhoria das relações com a Alemanha Oriental e com a União Soviética.

About elvenwood548

Sou estudante na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, estou a tirar uma licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais. Procuro de momento terminar a Licenciatura e tirar um Mestrado e posteriormente um Doutoramento. Num momento posterior, ou enquanto aprofundo os meus estudos, pretendo vir a trabalhar em organismos ligados à cooperação com Estados estrangeiros ou então em organizações internacionais, conseguindo assim colaborar num ambiente de trabalho com vista a colocar em prática os meus conhecimentos em favor da instituição que integrar.

Posted on Março 26, 2012, in Ciência Política e Relações Internacionais, Textos Escritos. Bookmark the permalink. Deixe um comentário.

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